Nada Menos que Tudo (Rodrigo Janot)

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Como a maioria das pessoas, ouvimos falar do livro do ex-PGR através da polêmica que se gerou em torno de um potencial atentado ao ministro Gilmar Mendes. Muitos argumentam que Janot apenas usou o (dito) incidente para tentar impulsionar as vendas. Ao pesquisar reviews, achei posts falando “lemos o livro para você não ter que ler” etc. Ficamos desmotivados, mas a curiosidade de ler um livro que, inegavelmente, será um marco falou mais alto. Quando olharmos para o exemplar na estante, lembraremos não só da entrevista que Janot deu falando que levou uma arma ao Supremo Tribunal Federal, mas também dos momentos históricos que vivemos ao longo da operação anticorrupção mais expressiva já realizada em território nacional.

Vou entregar o ouro logo neste segundo parágrafo: se você está atrás apenas de um thriller sobre o evento envolvendo o ministro do STF, não leia este livro. As informações adicionais sobre o caso que serão obtidas com a leitura são ínfimas. O que não quer dizer que não seja válida a visão de um dos maiores protagonistas da operação Operação Lava Jato!

Janot gosta de cozinhar, e junto com os jornalistas que lhe ajudaram a preparar o livro, fez uma narrativa surpreendentemente interessante. Surpreendente, porque não era o que eu esperava da obra, e interessante porque traz luz à luta e sacrifícios pessoais de quem se propõe a colocar sua vida no altar do serviço à sociedade.

Desta parte em diante farei, em tópicos, alguns spoilers. A maioria dos eventos são de conhecimento público, mas os inputs são do autor. Se estiver convencido a ler o livro, recomendo se deixar surpreender.

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  • Logo no começo do livro, Janot revela movimentos do, então vice-presidente, Michel Temer visando o não enfraquecimento do governo de Dilma Rousseff. Nomeado por esta última, e tendo uma visão política mais à esquerda, Janot conta seu dever como PGR de colocar à frente das pressões políticas e pessoais suas obrigações no cargo. Meio contraditório para quem acredita na narrativa de que Temer não passava de um conspirador que faria tudo suceder a presidente.

 

  • Ser PGR é uma atribuição um tanto ingrata. Faz muitos inimigos, e inimigos poderosos. Suas ações, mesmo aquelas que não afetam diretamente os rumos do país, podem forçar a mão de elementos que o façam. Como foi o caso de Eduardo Cunha, que tinha cartas na manga o suficiente para impulsionar a queda do governo. Pressão, pressão, pressão! Não só dos investigados, mas também daqueles que não queriam ser afetados pelas ações daqueles.

 

  • O dever à frente das afinidades pessoais: Janot revela como teve que agir contra José Genoino. Há passagens sobre o descontentamento do autor com o governo militar. E como a carreira em direito não era seu sonho, quando jovem. Mas o distanciamento da resistência, e futura adesão à um dos cargos mais importantes do país, o colocaram frente à decisões que definiriam o destino de figuras que outrora lhe despertavam certa admiração. Apesar dos pesares, as leituras de Marx e Engels, e suas camisas com estampas de Che Guevara em sua mocidade não o impediram de tomar as atitudes corretas. Mais à frente no livro, Janot expressa que sua preocupação com como repercutiria na história, em detrimento descontentamento que pudesse gerar, ou dos antigos “aliados” que pudesse condenar. E assim foi.

 

  • É contada sua trajetória ao cargo de PGR. Sua posição de não trocar a posição por favores políticos, e a posição da presidente Dilma de não tentar impedir as investigações, apesar das pressões de seus aliados.

 

  • Houveram atritos entre a PGR e Curitiba. Desconfianças que quase levaram ao fim da operação, mas que foram superadas e aos poucos transformadas em uma relação estável o suficiente para levar à frente as investigações.

 

  • É ressaltada a importância que teve o ministro Teori Zavascki. E como, se não fosse ele, a história  poderia ter tomado um rumo diferente.

 

  • O aumento no número de investigados levam à cada vez mais pressões. Há momentos onde chega-se a considerar o uso de colete à prova de balas dentro do próprio congresso.

 

  • Janot tinha a posição de ser aberto, e receber pessoas interessadas em seu gabinete. Seja políticos, ou representantes de movimentos sociais, com o Vem Pra Rua. Política esta que poderia ter lhe custado caso. Os antagonistas às investigações procuravam qualquer brecha para desqualificar o processo, e a reputação do PGR seria um prato cheio para tanto.

 

  • O pai de Fernando Collor havia sido protagonista de um atentado no passado. E o decorrer dos acontecimentos levaram Janot à temer que seu filho seguisse o exemplo do pai. O que o livro deixa de emoção com o possível atentado em pleno STF, é compensado com os momentos de tensão vividos por Janot nesta questão.

 

  • Por um tempo, a Lava Jato vira assunto mais popular que futebol no Brasil. O que é um fato e tanto. Seus protagonistas viram celebridades, a os ventos de mudança sopram forte nos barcos da moralidade. Não mais a impunidade era certa, e a desonestidade recompensa.

 

  • Políticos choram por clemência. Declaram que suas mães não suportariam vê-los denunciados. Janot, apesar de não deixar seu julgamento ser afetado, não pode blindar completamente seu lado humano. Uma coisa é se posicionar pelo que é certo, a outra é ser imune ao sofrimento alheio, ainda que este seja o dos investigados. Cargos são oferecidos, favores postos à disposição. Mas a PGR não era apenas um degrau na escalada do poder para o autor.

 

  • Cooperação (ou corpo mole) internacional com a Lava Jato. O Brasil se torna referência anticorrupção.

 

  • A escalada nas investigações. “Chefe, acho que vamos ter que prender um senador!” Mais à diante “chegamos ao topo”, um presidente investigado.

 

  • Muralha intransponível: com todo o tamanho que tomou a Lava Jato, ainda havia figuras difíceis de se atingir, como Sarney.

 

  • A morte de Teori Zavascki, em Paraty. Felizmente, a Lava Jato continuou em boas mãos. Dependendo de quem tivesse se tornado o relator, lê-se aqui Gilmar Mendes, o destino do Brasil seria outro. 

 

  • STF: garantistas vs. punitivistas. Aqui vale mencionar que tal cisão ideológica do STF continua causando polêmica, vide recente mudança de posicionamento da Suprema Corte no que diz respeito a “prisão em segunda instância” tendente ao lado garantista cujo principal adepto é nosso conhecido ministro Gilmar Mendes.

 

  • “Pau que dá em Chico dá em Francisco”… a corrupção seria punida, independente de que lado estivesse o acusado.

 

  • As “listas de Janot” e o temor dos acusados.

 

  • A perseguição à familiares de Janot.

 

  • A matéria que a Globo não segurou, e que poderia prejudicar as investigações.

 

  • O ritmo das investigações continua, mesmo chegando perto do fim o mandato de Janot.

 

  • O ataque à filha de Janot, Letícia. E a “mão invisível do bom senso” que impediu desdobramentos.

 

  • Quer ser ministro do Supremo? Vice-presidente? E a aposentadoria.

 

  • “Nada será como antes”.

 

 

Goste ou não, uma marca foi deixada na história do nosso país. Se recomendamos a leitura do livro? Caso os acontecimentos políticos dos últimos anos tenham lhe impactado, sim, recomendamos.

Seguem algumas referências que podem ajudar a contextualizar a leitura:

 

* Leitura realizada com o auxílio e esclarecimentos jurídicos de Sthefanie Prado.

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